sábado, 20 de novembro de 2010

A CRUZ QUE VENCEU O TEMPO

Um cidadão que ninguém sabe ao certo de onde veio, ou para onde ia, se morreu de bala ou de fome, foi sepultado ali, não muito longe de uma lagoa. E, aquela Cruz, plantada sobre a sepultura do ilustre desconhecido, que estava só de passagem, acabou dando nome ao povoado. Fato esse, que foi passado “de pai pra filho”, através das gerações...
Houve um crime de honra contaram os mais antigos. O sujeito buliu com a filha do dono da fazenda onde trabalhava (em um estado vizinho ao nosso) e, ao saber que o resultado ia crescer e aparecer... fugiu. O pai da moça e seus irmãos saíram no rastro dele até ali, onde acabou sua viagem. Esta é a versão mais romântica. A dos historiadores aposta num retirante da seca, que teria morrido de fome em 1725. Essa dedução tem por base as grandes secas que assolaram o Estado do Ceará no Século XVIII, inclusive no mencionado ano de 1725.
De certo mesmo só a cruz que ficou plantada, sinalizando o nascimento de um povoado cristão. Um filho de Deus Lhe entregou a vida ali; e outros filhos Seus cuidaram de sepultá-lo, sem cobrar o jazigo ou o funeral. E ainda finalizaram o ato com uma cruz de madeira de lei, pois atravessou o tempo até, pelo menos 1943. Ainda hoje, em 2010, muitos idosos da cidade lembram-se dela, assim como do local onde ficava.
A cruz tosca, que ninguém sabe quem arrancou, ou se ela desintegrou-se, ganhou a transparência e a luminosidade do néon, sobre um pedestal, quando o Município de Cruz se emancipou; bem na entrada da cidade, em local aproximado da cruz original. Entretanto, há aproximados dez anos, quando passou uma rodovia margeando a cidade, ela foi retirada para a obra e não faz mais parte do novo traçado. Até reclamei (livro Era uma vez na Cruz, p.34). Tantas cruzes à beira das estradas, mesmo nos tempos atuais, porque tirar uma que varou as eras e deu nome à cidade?
Mas, pensando bem, a cruz que floresceu no entorno daquela, é outra. E bem evoluída em relação à primeira. Foi entregue a São Francisco que, se do céu cuida das almas desses fies, cá da terra está lá, na entrada da cidade, de braços estendidos segurando uma cruz. Por que não fazer uma transposição? Nossa Cruz, afinal é o símbolo do sentimento cristão de alguém (ou de algumas pessoas) que cuidou dos restos mortais de um forasteiro... ou seria “aquele próximo” de que fala o Evangelho?
O leitor pode pensar que estou me apropriando daquela fábula da raposa – a que de repente percebeu as uvas verdes – quando não podia alcançá-las. Pode até ser. Mas esta é uma saída lógica e natural. Afinal São Francisco é o Padroeiro da cidade, e das mãos dele ninguém ousará tirar essa cruz.
Já no outro caso, vai depender sempre da boa vontade ou interesse histórico de quem estiver no poder. Qualquer conveniência de obra no local ela poderá ser arrancada outra vez, e assim ficar: aparecendo e desaparecendo, como se a alma da pobre criatura tivesse se transformado em assombração, depois de tanto tempo.
No meu entendimento, esta seria uma solução definitiva, só falta ser registrada historicamente para que os cidadãos do futuro tomem conhecimento do assunto.

Beth Albuquerque, 14/11/2010.