sexta-feira, 25 de junho de 2010

TOMBAMENTO DO TAMARINEIRO

Um ano depois da publicação do meu livro (ERA UMA VEZ NA CRUZ...),na ensolarada manhã de 14/01/2010, como parte dos festejos do Jubileu de Prata de Emancipação do Município (de Cruz),o Velho Tamarineiro foi Tombado pela Lei nº 368, de 07/01/2010. Ganhou identidade: uma placa com a inscrição “Tributo ao Herói”.


























Beth Albuquerque
















O TAMARINEIRO

Quantas lembranças desse velho amigo! Nosso lazer, nosso
mirante – olhávamos do alto dele o clarão das luzes do Acaraú -
quando a luz elétrica para nós, ainda parecia um sonho distante.
Lembro-me bem de senhores e senhoras, hoje avós, fazendo dessas
artes no tamarineiro.
Todos os que nasceram por aqui (em Cruz) ou que vieram a
morar nas suas imediações, quando crianças ou adolescentes,
brincaram bastante em seus galhos. Ora subindo para pegar os frutos,
ora brincando de se esconder; outras vezes para olhar ninhos de
passarinhos, alguns até para pegar os ovinhos. Nossas mães tinham
uma simpatia para proteger os filhotes das aves: “diziam que, se a
gente pegasse nos filhotes ou nos ovinhos, as cobras iriam comê-los”.
Parece que o toque das pessoas atraia os predadores ou provocavam
a rejeição das mães, ou algo assim.
Mas não eram só as crianças e jovens que usufruíam dos seus
favores. À tardinha nossas mães e suas amigas sentavam à sombra do
tamarineiro, aproveitando a brisa, no bate-papo da boa vizinhança.
Enquanto conversavam chuleavam a roupa, outras bordavam, enfim,
adiantavam seus afazeres manuais.
O “Pé de Tamarino”, ou tamarindo, que insiste em continuar vivo,
ainda hoje, no canto da Praça Monsenhor José Edson Magalhães, na
lateral direita da Igreja, é pelo que se sabe, a árvore mais antiga
da região central de Cruz, quem sabe, até da sede do Município. É
o representante do passado participando do nosso presente, como
a nos dizer que não se pode descartar o idoso em função de sua
idade, pois há outro tipo de força inerente a esta fase que pode
ser melhor aproveitada. No caso do Tamarineiro, por exemplo
quantos acidentes de trânsito sua presença ali já evitou, forçando os
motoristas mais apressados a diminuírem a velocidade. É como um
velho e amoroso guardião que, apesar de já ter completado o tempo
para a aposentadoria, continuasse cumprindo sua tarefa, mesmo
sem salário; merecia uma placa, mas não lhe deram nem o anel de
cimento [em volta do tronco] que suas irmãs da praça – as árvores
mais novas – ganharam, onde o jardineiro deposita água para que
elas continuem belas e viçosas.
Há quem diga que ele tem mais de 300 anos. Não há prova de
que tenha tudo isso, mas uns 200 anos é possível que tenha. Segundo
conta a tradição oral, ele já estava ali quando ANTÔNIO CARLOS
DE VASCONCELOS [neto da Joana Correia e de seu marido
Manoel Carlos] se estabeleceu no local. Este seria o desbravador
da mata que havia no lugar correspondente a atual Praça da Matriz
e adjacências, e nessa ocasião teria descoberto o Pé de Tamarino.
ANTÔNIO CARLOS nasceu em out/1786, portanto, em outubro de
1800 estava com 14 anos. Mesmo começando a vida adulta muito
cedo, fato comum naquele tempo, o mais provável é que ele tenha
feito esse “desflorestamento” quando se preparava para casar, já que
teria usado a própria madeira na construção de uma casa de taipa,
que ficou conhecida como a “Casa Grande”, a qual ocupava o espaço
onde hoje ficam o Prédio Paroquial e uma boa área em volta. Não
se sabe a data do 1º casamento de Antônio Carlos, mas, seu fi lho
Manoel Antônio Nasceu em 1815. Assim, se o tamarineiro fosse
uma plantinha nova nesta data, teria hoje em 2008, 193 anos, mas, se
já fosse uma árvore, podemos considerar aí em torno de 200 anos.
Há também os que dizem que o tamarineiro nasceu no curral do
gado de ANTÔNIO RAPHAEL, que já é neto de Antônio Carlos.
Este não se sabe em que ano casou, mas seu 1º fi lho nasceu em 1870.
Se levarmos em conta esta hipótese sua idade cai para 138 anos.
Seja como for é uma árvore centenária. E já mereceu atenção
da comunidade em 1880, ano em que começou a construção
da capelinha do povoado. Dizem que Francisco Bernardino de
Albuquerque, o instituidor da capela, hoje Matriz, recebeu de seu
pai, Alexandre Bernardino de Albuquerque, o pedido para não cortar
o Tamarineiro. Vejam que maravilha! Naquele tempo, esse cidadão já tinha
noção da importância das árvores. Aliás, justiça seja feita, nossos
antepassados conviveram muito bem com as árvores, elas foram
sumindo à medida que fomos “tomando conta do pedaço” e, achando
que o progresso tem primazia sobre a natureza, ou que uma coisa
exclui a outra.
É o que se verifica pelas duas agressões que esse velho amigo
sofreu. Não lembro ao certo o ano, mas com certeza faz mais de 40
anos da 1ª ocorrência (1957 ou 1959). Ele foi praticamente decepado,
sem nenhuma razão lógica. Os moradores ficaram muito revoltados,
foi uma confusão. A 2ª vez deve ter sido uns 10 ou 15 anos depois da
primeira. Aí já foi com ordem das Autoridades Municipais, parece-me
que a justificava foi que seus galhos atrapalhavam a passagem
dos caminhões carregados. Não foi tão radical desta vez, mas,
como o velho Tamarineiro ainda não tinha se recuperado, não
voltou mais ao seu apogeu.
Mas tudo isso, ainda era café pequeno, perto do que estava para
acontecer ao pobre Tamarineiro. Na década de setenta, quando foi
feito o calçamento da Rua 6 de Abril, o velho amigo sofreu sua pior
agressão, pois “suas raízes foram calçadas também”. Desta vez -
quando os paralelepípedos encaixotaram as raízes do tamarineiro -
ninguém brigou por ele. Não fizemos nada, apesar de já sermos mais
esclarecidos. No passado ficamos tristes, nos indignamos, cobramos
providências. O que teria mudado, em nós, de lá para cá?
De toda forma, seja pela benção de São Francisco, seja para
fazer valer o ditado popular: “o nordestino é antes de tudo um forte”,
o velho Tamarineiro ainda está vivo, em novembro de 2008, quando
escrevo esta matéria; embora desnutrido e seco, nesse inverno ainda
ofertou seus frutos à população.
É bem oportuno lembrar que – São Francisco, o Padroeiro
desta Cidade – há séculos atrás já tinha a preocupação de viver em
harmonia com a natureza. Ele era uma criatura muito evoluída, e
pautava sua vida pelo amor à criação de Deus, nos dando o exemplo
de que o ser consciente, usando adequadamente a inteligência, pode
viver em perfeita integração com a natureza, pois ela não é nossa
inimiga, pelo contrário, foi colocada à disposição do ser humano para
que ele interagisse com ela em benefício próprio. Procuremos seguir
este exemplo de São Francisco e o meio ambiente agradecerá.

E São Francisco, lá do Céu, aplaudirá.

Beth Albuquerque

Foto: Goretti